sábado, 18 de janeiro de 2025

Noites em Chamas (II) ~ Mercador, feiticeiro e nobre

 Eqrab era conhecido agora como um homem de prestígio por seu próprio direito, com Shanusse e Wassea, nome adotado pela ex-esposa do tio do príncipe, sendo suas esposas.

Eqrab e Shanusse gostaram da ideia de deixar para trás seus nomes anteriores e viver como uma família de mercadores, longe dos deveres da família real e se aproveitando de sua vida extravagante. Contrataram servos, compraram uma casa nobre e passaram a viver como uma família ali.

Shanusse agora estava com um corpo ainda mais sedutor, com suas curvas mais acentuadas e seus seios mais fartos. Eqrab cuidava de sua esposa, lhe penteando os cabelos, untando seu corpo com óleo perfumado e lhe acariciando com o amor mais sincero. Para ele, ela era o seu mundo, a flor mais bela que existia, o que não apagava a existência de outras, claro.

Shanusse não se continha mais, usando de seus encantos para seduzir seu marido e lhe convidando para a cama. O casal se beijava calorosamente. Agora já não eram mais nada além de marido e esposa.

Ela deitou-se, mostrando-lhe seu corpo voluptuoso ao seu irmão-marido, ansiosa por seu amor. Ele a beijou longamente em sua flor sagrada, que se abria conforme seu beijo a levava a suspirar e a tremer de desejo. Entre um beijo e outro, deslizava suas bochechas pelas coxas de sua esposa, como quem apreciava cada segundo daquela experiência.

Quando ficou devidamente satisfeita, depois de chegar ao ápice de seu amor, ela convidou o seu marido para deitar-se sobre ela, o que ele prontamente aceitou. O colibri pousou sobre a flor sagrada, o que fez Eqrab, ou Sahar, que ele nem sabia mais, agradecer aos deuses por lhe abençoar com tamanho amor em sua vida. Marido e esposa se moviam em transe, ele envolvido no corpo dela e ela no dele, quase como se compartilhassem uma forma só, absoluta e indefinida. No final do transe, a semente adentrou a flor, que brotará do ventre com os olhos violeta da nobreza.

Eqrab parou um tempo para observar Shanusse. Se encantou por ver em seu rosto um brilho desconhecido, que era refletido pela luz da lua em sua pele amadeirada. Ela lhe diz que estará ali com ele sempre, e ele diz o mesmo. Em seu quarto, declaravam seus votos de amor mais profundos. Ele acaricia o corpo de sua esposa com calma, aproveitando para sentir cada sensação. Ele a elogia por, mesmo após gerar uma criança e estar ali ensopada de suor, estar incrivelmente encantadora, talvez ainda mais sensual daquela forma do que normalmente. Ela lhe pede que seja sincero em seus elogios, o que ele responde que não pode ocultar o óbvio e não pode mentir sobre a existência do sol sem parecer delirante, comentário que faz ela sorrir encantadoramente.

Shanusse dança diante de Eqrab, como uma maneira de encantá-lo ainda mais. Seus seios fartos oscilam de forma hipnotizante, deixando Eqrab desnorteado. Quando seu colibri acorda novamente, ela resolve subir no colo de seu marido, abraçando o seu pescoço e aproximando ainda mais os seus corpos até o ponto de quase se fundirem. Nem Eqrab nem Shanusse sabiam explicar aquela sensação, mas sabiam que estava lá. A única coisa que Shanusse tinha certeza é que dessa vez tomaria toda a semente de Eqrab, custasse o que custasse.

Shanusse sobe e desce no colo de seu marido, que lhe segurava a cintura. A presença de um adentrava a presença do outro, quase se perdendo na mistura de suas essências. Os seus corpos imploravam pelo êxtase, e estremeciam em cada respiração. Estavam mais perto do paraíso, e mais perto, e mais perto, e mais perto...

Eqrab por fim cedeu à luxúria de Shanusse. A semente do mercador ocupou o ventre de sua irmã-esposa. Aquela que antes respondia pelo nome de Nassiya agora se encantava com suas ações profanas, cobrindo o rosto e se envergonhando por ceder aos seus desejos carnais por seu irmão. Porém, pensava ela, não era mais Nassiya agora. Era Shanusse, a amada esposa do mercador, e agora poderia amá-lo o quanto quisesse.

Noites em Chamas (I) ~ Príncipe Sahar Waqeras, do reino de Awaq

O reino de Awaq era próspero apesar de tudo. Suas conquistas garantiram, para além dos territórios próximos ao abençoado rio Waq, as terras dos reinos de Mágrabas, de Skodyk e de Cravoin.

O povo awaquense era famoso por seu gosto por ouro e por sua devoção aos diversos deuses. Eram calorosos, sedutores e enérgicos. Gostavam das músicas, das danças, das festas e das comidas.

Não eram avessos a adotar costumes dos povos dominados, sendo desse modo bastante receptivos. Viam outras divindades como outros filhos de Usehewa, a deusa das águas celestiais de muitos filhos que teria, supostamente, gerado todos os seres divinos. Os magrabenses de Awaq vêem nela a santa Amallysa, mãe do seu profeta, os cravoinenses vêem Skirtye-Nittye, a deusa ursa sagrada que protege o seu povo do mal e das trevas, enquanto os skodykianos dizem que essa seria Shaua-Megeni, a mãe dos rios e dos lagos.

Independente do que esses povos adoravam ou não, todos se curvavam aos descendentes de Swastif, o deus na terra: os Waqeras. Os Waqeras possuem pele escura e olhos violeta, ditos esses os sinais da centelha divina vinda de Swastif.

Dessa linhagem, vinha o príncipe Sahar, despreocupado e fogoso como só ele poderia ser. Fugia de suas responsabilidades com frequência, bebia e festejava como ninguém e amava vorazmente como nenhum outro. As suas inúmeras amantes comentavam que seu corpo era quente como o sol de verão do deserto, ou como os dias próximos da tempestade. Era como uma chama impetuosa e ardente, que derretia aos que se aproximavam.

Mesmo que aprontasse, ainda encontrava perdão da sua mãe, a Aqaliyt, governante suprema de todo o reino. Nem mesmo seu pai ou seus irmãos e irmãs davam jeito nele, e mesmo que quisessem, não conseguiam. O brilho do seu olhar e o calor do seu coração derretiam e carbonizavam a vontade daqueles que o confrontavam.

Sahar gostava da companhia de Nassiya, sua irmã, filha de sua mãe com um de seus maridos. Desde pequeno, Sahar corria atrás de Nassiya, na esperança de conquistar seu coração. Era uma moça encantadora, culta e gentil, delicada como uma pétala de rosa. A visão dela revigorava seu espírito.

Nassiya também o olhava secretamente. Logo se tornaram amigos e confidentes. Sahar revelava a Nassiya segredos que não revelava a mais ninguém. Ela nem sabe mais quantas vezes teve de conter o riso nas vezes em que seu irmão era repreendido por sua mãe. Ele era terrível.

Ele gostava de compartilhar com ela suas histórias de cunho sexual, sempre deixando escapar os detalhes mais sórdidos, o que a deixava sempre espantada, mas sempre atenta.

Uma noite, Sahar resolveu fugir para viver novas aventuras. Esquivou-se dos guardas, seduziu algumas camareiras, escalou paredes e chegou ao quarto de Nassiya. Ela e seu irmão saíram de fininho pela noite e fugiram para uma cidade próxima. Lá, ele inventou de se disfarçar, vivendo como um misterioso comerciante awaquense chamado Eqrab. Nassiya se vestia como sua esposa, chamada Shanusse, e ali passaram um tempo. A rainha os procurou em todos os cantos, mas não os encontrava em lugar nenhum. Quando os achou, descobriu que a princesa Nassiya carregava uma criança no ventre. A Aqalit brigou com seu filho e lhe entregou como servo de seu tio, irmão dela, até que ela o chamasse de volta.

Seu tio o colocou para trabalhar em sua casa e lhe servir diretamente. Servia o vinho, limpava-lhe a boca, trazia seus perfumes e lavava suas costas. Não demorou muito para que seu tio se deitasse sobre ele quando se cansava de suas esposas. E assim Sahar, agora sem nome, passou a maior parte do seu tempo de servidão, até que resolveu fugir.

Conseguindo a ajuda de uma das esposas de seu tio, que lhe ajudou em troca de levá-la junto com ele, Sahar conseguiu uma barca que lhe levaria até o palácio da rainha. Chegando lá novamente disfarçado de comerciante, Sahar usou de feitiços que a moça havia lhe arrumado antes de sair da casa do seu marido, se infiltra no palácio e encontra Nassiya e sua filha, Zani. Sahar não se demorou muito e logo fugiu pelo mar para uma ilha distante.

Na ilha, Sahar, novamente como Eqrab, conhece um feiticeiro que lhe diz querer ensinar a fazer poções e amuletos diversos. Eqrab resolve aprender magia nas horas vagas, aprendendo também a negociar com todo tipo de pessoa com sua lábia e seu poder de sedução. Suas poções e seus feitiços atraem ainda mais poder e riquezas, usando disso para manipular os nobres dos reinos e conceder desejos e poções em troca de ouro. Parte desse ouro foi entregue para o feiticeiro, que sumiu um dia e não foi mais visto desde então.

[incompleto] Maeto

O chefe da aldeia estava deitado em sua cama, acolchoada com peles e revestida de fibra vegetal, sem suas roupas e envolto em uma centena de lençóis e cobertas, quando sua visita requisitada chegou.

Seino e sua esposa Kaisa abriram a porta, apenas vestidos com suas túnicas de dormir e bastante perfumados. Maeto percebeu que o casal estava de mãos dadas. Mesmo naquela circunstância, ainda permaneciam juntos. O chefe gostava de ver o afeto compartilhado pelo casal.

Seino solta a mão da sua esposa por um instante e se aproxima do seu senhor cuidadosamente. Maeto não sabia dizer se era o respeito costumeiro ou mais alguma coisa. A moça permanece de pé, imóvel. Seino pergunta ao senhor se iria querer alguma companhia para a noite ou se estaria satisfeito. Maeto respondeu dizendo para que o casal se sentasse na cama dele.

Seino se senta na cama e acena para que Kaisa se aproxime, o que ela faz prontamente. A moça se apressou e já ia tirar sua túnica quando Maeto a pediu para que parasse. Maeto estava disposto, sim, a alguma diversão da noite com alguém para aquecer seus lençóis, mas sentia que havia algo mais interessante com o qual poderia se divertir naquele momento.

O marido se sentou ao lado do chefe, enquanto a esposa preferiu se sentar mais distante dos dois, na ponta da cama, do mesmo lado do seu amado.

Maeto era um chefe muito respeitado pelo seu povo, tanto por lutar contra os humanos e os altos-elfos, quanto por ser uma pessoa carismática e atenciosa. Porém ser um grande líder era estressante e por isso Seino, um grande admirador do trabalho de seu chefe, tem uma ideia. Ele propõe que sua esposa alivie as tensões sexuais de seu chefe, o que ela relutantemente concorda. Afinal, não era algo incomum que o chefe da aldeia recebesse ofertas de favores sexuais dos aldeões como uma forma de gratidão.

Maeto era um guerreiro que se formou no campo de batalha, armando emboscadas com seus companheiros e libertando quantos goblins conseguisse. Fazia parte de uma resistência goblin que buscava a libertação do seu povo do jugo dos humanos e dos altos-elfos. Portanto, não estava totalmente acostumado com as tradições goblin até ser eleito para governar uma das principais aldeias fundadas pela resistência do seu povo, quando recebeu as primeiras propostas de casamento e de favores sexuais. Tecnicamente, como líder da aldeia, ele poderia ter quantas esposas e serviçais quisesse, e aquilo o deixava espantado, mas Maeto aprendeu a lidar com as tradições a sua maneira.

O chefe concedeu sua cama momentaneamente e pediu para que aproveitassem a cama como desejassem, e que ele observaria. O casal ficou perplexo ao ouvir a sugestão de seu chefe, mas Maeto não parece se incomodar pela vergonha dessa sugestão, e pega uma cadeira que estava no canto de sua cabana e se senta. O chefe olhava atentamente, relaxado e completamente nu em sua cadeira larga de fibra e encosto inclinado.

O casal estava envergonhado de início, relutando bastante antes de decidir finalmente deitar na cama. O líder olhava calma e atenciosamente. Seino e Kaisa olhavam para o chefe, como que sem saber o que ele queria ver, e Maeto falava que era para fazerem o que quiserem fazer. Então o casal ficou abraçado por um tempo, até começarem a se beijar, inicialmente de forma doce, se tornando mais sensual com o passar do tempo. Estavam se esfregando um  no outro, na cama de seu chefe, com suas partes inferiores à mostra, tocando suas partes íntimas uma na outra. Quando tomaram coragem suficiente, Kaisa subiu no colo de Seino, deitado de braços abertos, onde ela começou a cavalgar no seu colo.

Seino segurava a cintura de sua esposa e suspirava. Kaisa parou por um momento e retirou sua túnica, revelando sua nudez completa. Ela fez o mesmo com Seino, que ficou um tanto envergonhado em mostrar seu corpo nu diante de Maeto, e em seguida o casal se beijou novamente. O chefe aproveitava cada segundo do espetáculo do casal. O coito foi ficando mais frenético, até que Seino gira o corpo de sua amada sobre o seu, colocando-se sobre ela. Kaisa agora estava deitada, suas pernas abertas de forma convidativa ao seu amado, que estava entre elas. O casal se beija novamente e Seino e Kaisa estremecem de prazer até o último instante. Seino tenta se afastar no final, mas Kaisa o impede, o abraçando fortemente. O casal permanece abraçado por um tempo, esquecendo onde estavam e quem os observava atentamente. O interior de Kaisa estava cheio, e Seino ainda estava conectado com ela. Seus fluidos se misturavam e traziam um prazer gentil e doce, fervilhante e lascivo.

Maeto apenas encarava até aquele momento, quando Kaisa se aproxima dele após se desgarrar do seu amado. Diante do chefe, ela parecia de certo modo apreensiva, diferentemente do que ocorria na presença do marido. Ela olha para Seino uma vez, talvez buscando algum sinal de insegurança na expressão dele, e volta-se novamente para o chefe, movendo-se lenta e decididamente.

[incompleto] Hako, o goblin

 Hako olha para Eladiana, que dá um lindo sorriso e comenta que ele ficou especialmente animado na noite anterior. Sua mente parecia desnorteada, e por algum motivo se sentia como se estivesse despedaçado por dentro.

Hako percebe que havia usado o seu poder de multiplicação, e isso explicaria a sensação de ser dividido. Ele ainda se sente meio tonto, talvez um efeito colateral do cogumelo que comeu.

O goblin estava deitado sobre o corpo de Eladiana, que estava completamente nua. Hako percebe a sua situação e escorrega para o lado, pedindo desculpas a ela. Enquanto ele escorrega pelo seu corpo, uma sensação elétrica confortável atravessa o corpo de Eladiana, que se arrepia e fecha os olhos.

O goblin a olha se levantando e se espreguiçando na cama gigantesca. Eladiana era magicamente linda, pensou o goblin, mas guardou seu pensamento para si. Seu corpo azulado era grande e forte, com seus músculos marcados como os de uma atleta. Os pelos do seu corpo eram de um branco pálido como a luz da lua, e a íris de seus olhos brilhava em um violeta hipnotizante. Seus cabelos eram longos e volumosos, e seu olhar era divino. Possuía ainda um par de chifres que se projetavam de sua testa e lhe davam um ar perigoso.

O goblin percebeu que havia mais gente deitada na cama junto com ele, e mais gente deitada nas poltronas do quarto. Olhou atentamente e viu Grida deitada do lado direito da cama, e Hallya do lado esquerdo. Ainda tinha mais alguém deitado na parte mais posterior da cama: era Tamala.

O goblin viu que Dugo e Amalle dividiam uma poltrona e dormiam aninhados um no outro, e que Calla e Cammo faziam o mesmo com outra poltrona. Não tinha visto Ellea ainda, até perceber que ela havia se levantado e se vestido, e que havia começado a arrumar parte daquela bagunça. Ela não conseguia cruzar olhares com Hako.

Eladiana sorriu, comentando que Ellea ainda se lembrava das coisas vergonhosas que ele havia feito com ela. Hako ficou sem graça, queria pedir desculpas à jovem, porém se deteve a ajudá-la a arrumar o quarto.

Amalle acorda e, percebendo que estava aninhada ao corpo nu de Dugo, se desembaraça dele e corre para pegar o seu vestido. Ela corre para o banheiro depois de se vestir, com o rosto queimando de vergonha. Ela teria que fazer muitas orações e penitências para receber o perdão pelos seus pecados.

Mas no seu interior ela adorou. Pelos quinze infernos, como ela adorou!

Hako se recorda do momento que encontrou algumas das pessoas ali presentes. O quarto já estava bem mais arrumado.

Hälle

 Na floresta, ocultam-se os mais sombrios segredos. Tão sombrios que seus habitantes preferem guardar para si mesmos, no silêncio de sua carne.

Mas a verdade sempre surge.

Häss a observava ao longe. Ela era um prodígio na música, no canto e na arquearia, além de se portar de forma elegante e suave quase sempre. Ela cantava no lago, sentada nas pedras das margens, conversando com as jovens que se banhavam no lago. Häss só tinha olhos para ela.

Hälle se escondia nos arbustos para observar o treinamento do jovem. Ele se desenvolveu como um jovem forte e habilidoso. Não havia nenhum igual da sua geração na caçada e no combate, e nas horas vagas ainda dedicava-se à magia, à pintura e à poesia. Não só Hälle o admirava, como todas as jovens elfas da comunidade já o desejavam como marido. O coração da pobre moça doía ao pensar nisso, pensar que ele estaria longe.

Mas Häss só tinha olhos para ela. Não aceitaria nada além dela. Hälle era seu mundo, e sua maldição.

Quando mais novos, Häss e Hälle desobedeceram as ordens dos anciãos e das anciãs e foram para a floresta em um dia de festividade sagrada, para caçar. Encontraram um belo veado, maior que todos que já haviam visto, corpulento e acompanhado de um cortejo de todos os seres mágicos. Seus chifres e cascos brilhavam como ouro, seus olhos eram dourados e possuíam um brilho próprio muito encantador. As suas galhadas queimavam com chamas alaranjadas que dançavam acima da cabeça da criatura.

Häss e Hälle tentaram acertar o veado com pedaços de paus e pedras, buscando uma forma de capturar o animal. O veado olhou intensamente para os dois, que ficaram paralisados, enquanto de suas galhadas flamejantes saíam borboletas de todas as cores que avançaram para as duas crianças.

Häss e Hälle foram encontrados no chão nas proximidades da comunidade, dormindo. Quando encontraram as duas crianças, os guerreiros foram chamar de imediato os anciões e as anciãs, além da mãe das crianças, que notaram estranhas manchas em forma de borboleta por todo o corpo delas. Uma das anciãs já havia ouvido falar de um caso parecido, e avisou que poderia ser uma maldição jogada nas crianças, um alerta que deixou todos temerosos.

Porém, ao ver que as duas crianças cresciam bem e fortes, a mãe logo se tranquilizou e até a anciã mudou de ideia e disse que os deuses talvez houvessem perdoado as pestinhas.

Não havia nada de errado com Häss, muito menos com Hälle. Eram trabalhadores, educados, obedientes aos mais velhos e dedicados às tarefas e obrigações. Mas um olhar atento notava que havia pelo menos algo incomum entre os jovens. Tanto Häss quanto Hälle eram desconcertantemente atraentes, quase mágicos, além de que, estranhamente, desde aquele evento na mata, Häss e Hälle não suportavam ficar muito tempo longe um do outro.

Foi ficando mais difícil com a chegada da juventude. Hälle penteava seus cabelos azulados por longas horas e sempre estava impecável, mesmo que seu sorriso usual nunca fosse tão sincero e cintilante quanto quando via o jovem Häss. Em seu coração, ela temia profundamente não poder estar mais tão perto dele, mesmo que o sorriso de Häss dissesse o contrário, e sempre respondesse ao dela, quase como uma declaração silenciosa.

As marcas das borboletas, que eram de um negro profundo, foram ganhando uma cor azulada intensa, e agora era impossível não notar, inclusive em seus rostos, o que atraía ainda mais os olhares curiosos ao redor dos jovens.

Häss se contorcia por dentro a cada cortejo feito a Hälle, que ela prontamente negava, mas que ele temia que ela aceitasse um dia. Talvez fosse melhor, mas pensar nisso lhe doía profundamente.

Nenhum dos dois gostava da ideia de não poderem ficar mais tão próximos, mas era inevitável naquela altura, e não lhes era permitido que ficassem juntos. Nem sabiam o que estavam sentindo, e já tinham certeza do que queriam.

Antes, a proximidade era doce e gentil. Brincavam juntos, quebravam regras juntos, dormiam juntos. Mas com o tempo, a proximidade passou a ser dolorosa. Os mais leves toques queimavam em chamas ardentes, e os mais rápidos olhares arrepiavam até a alma, uma sensação de uma carga elétrica poderosa transpassando rapidamente seus corpos.

Agora, dormiam separadamente e faziam todas as tarefas que jovens da sua idade fazem, preparando-se para a vida adulta. E justamente por suas tarefas diárias, estavam se afastando gradativamente. Häss e Hälle perceberam isso, e estavam dispostos a evitar que esse afastamento fosse permanente.

Häss entregava poesias e presentes para as amigas de Hälle, em nome de um "pretendente misterioso" que buscava desposá-la. Ela lia todas as poesias e guardava com o maior carinho, pois sabia que era de seu amado.

Hälle tratava de arrumar todas as desculpas possíveis para levar ao seu irmão a comida e os amuletos que ela fazia. Häss exibia seus amuletos com orgulho, e até ganhou combates com eles, o que indica que as proteções dela são poderosas. Os pratos que ela preparava para ele eram os mais saborosos, o que gerou inveja em certas pretendentes de Häss, que viam na proximidade um ataque pessoal. Afinal de contas, mais de uma vez Hälle foi elogiada pelos pratos que fazia e como, além de serem magicamente encantadores como ela, parecia deixar quem ingeria de alguma forma com mais ânimo para viver.

Logo notou-se que, por estar bem alimentado por sua irmã, Häss se fortalecia e se tornava um combatente ainda mais difícil de superar a cada dia. Em certo ponto, as pretensões a casamento dirigidas a Hälle cessaram, pois os jovens tinham medo de que Häss fosse matá-los se tentassem.

Vendo a situação complicada que se formava no horizonte, a mãe de Häss aconselhou-o que se afastasse da irmã, pois ele estava prejudicando o futuro dela. Furioso, Häss se enfiou na floresta, retornando com um tigre arrastado e amarrado em cordas. O tigre foi trucidado depois de um embate sanguinolento, que deixou marcas e sangue na pele do jovem. Häss parecia um monstro: estava maior, mais forte, e seu olhar cansado e furioso aterrorizou a todos que olhavam, fazendo com que sua mãe visse o que seu filho havia se tornado. Häss entregou o tigre à mãe, para que fosse repartido para a comunidade.

Desde aquele momento, ninguém mais se atreveu a mexer com ele e Häss se tornou rapidamente o herói da comunidade. Porém os rumores surgiram e Hälle foi diretamente atacada por eles. Diziam que Häss era apaixonado por ela pois ela havia o seduzido com suas magias profanas, e que ele acabaria a matando. Hälle negava tudo, e em certo ponto, passou a fingir que nada acontecia.

Mas acontecia. Na escuridão da noite, iluminada pela lua e pelos espíritos, Häss e Hälle se encontravam, não conseguindo mais resistir a essa força que os unia. Ali, ninguém os via. Estavam sob a benção dos espíritos e dos deuses, e nada poderia lhes ferir ali. Se entregaram aos sentimentos mais profundos, vínculos vindos desde o ventre da mãe, de onde vieram ao mundo juntos, como naquele momento. Seus toques eram ainda mais flamejantes, mas não sentiam mais a dor; seus olhares mais intensos, ao ponto de compartilharem de uma mesma energia.

Compartilharam afetos, lembranças, beijos e abraços, carinhos e energias, por dias, por meses...

Até que sua liberdade cobrou um preço. Hälle passou mal, sendo que não costumava adoecer, o que levantou suspeitas. Quando as anciãs viram, ficaram horrorizadas: Hälle carregava uma criança no ventre.

Mas quem era o pai?

Quem odiava Hälle naquela altura a acusou de ter seduzido o próprio irmão. Mesmo sem saber se aquela história tinha algum fundo de verdade, expulsaram Häss da comunidade, o renegando às florestas. Desde então, ele não foi visto.

Um bom tempo depois, a primeira criança nasceu. Possuía uma beleza encantadora, o que incitou o ódio de outras mães à criança inocente. As outras mães diziam que aquela criança era filha de um animal e de uma feiticeira, e que sua presença na comunidade era uma ameaça.

Os maridos dessas mulheres, convencidos por elas, pegaram em armas e se prepararam para trucidar a mãe e a criança, mesmo que para isso tivessem que eliminar a avó junto. A criança era filha do monstro e era uma ameaça.

Häss se aproxima da comunidade e vai visitar Hälle mais uma vez, quando a encontra cercada por uma dúzia de guerreiros. Ele parte para cima dos guerreiros, derrubando e matando todos que estavam no seu caminho, quando reforços da comunidade chegam, o ferindo mortalmente. Ele olha para Hälle, e ela foge o mais rápido que pode, com seus olhos em lágrimas, mas algumas das mulheres estavam prontas para a fuga com facas e arcos. Uma das flechas estava envenenada e atravessa o peito da mãe, ferindo a criança. A pequena menina que havia nascido recentemente estava tossindo e desfalecendo. A mãe, desesperada, tentava chamar pela filha, mas logo também morreria.

Um tigre surge das sombras e arrasta rapidamente o corpo de Häss. Seus dentes cravavam fundo na carne, mas o herói já havia sido abatido. O seu corpo é posto próximo ao de Hälle e da criança, onde o tigre monta guarda, esperando por algo das profundezas da floresta.

O veado branco de chifres flamejantes olha para os corpos desfalecidos e logo desvia o olhar, com o tigre se afastando e sumindo nas sombras. O veado segue em frente, sendo seguido pela sua procissão de espíritos que cuidadosamente carregou os corpos até um lago brilhante. Os três corpos foram mergulhados ali, com o cervo emanando suas borboletas e com a procissão de espíritos tocando a água, que brilhava com mais intensidade.

Hälle acorda sem entender o que havia acontecido e procurando sua filha. Se perguntava como ainda estava ali se a flecha havia perfurado seu peito.

Nesse momento, Häss se ergue das águas com sua filha nos braços, que havia retirado das águas. Seus olhos marejavam e Hälle podia ver todo o amor paterno que nascia no coração de seu amado ao ver a menina.

O veado fez um gesto para que o casal o acompanhasse, e foi o que fizeram. Foi uma caminhada longa, com algumas paradas para amamentar a criança e para descansar, até que chegaram em uma parte da mata povoada de criaturas mágicas de todos os tipos. Ao chegarem, foram cumprimentados por muitas das criaturas dali, algumas até curiosas com a menina que ali chegava e que parecia familiar a eles.

Aquele seria o lugar onde poderiam viver em paz e seguros.

Maëlla, a criança, foi a primeira de muitas crianças que ainda estariam por vir. Häss e Hälle seriam origem de uma vasta descendência, que povoaria as matas ocultas e que cuidaria daquelas terras por muito tempo.

Häss e Hälle encontraram ali um local pacífico para viverem finalmente unidos. Häss ainda faz poemas para sua amada, caça os animais mais fortes e suculentos com os quais Hälle, com suas habilidades sobrenaturais, faz os seus pratos abençoados, o que dá força aos seus filhos e filhas, guerreiras e guerreiros das terras dos espíritos. Hälle dedica-se também à arquearia e às artes mágicas, o que garante que ela nunca mais seja atacada de forma despreparada.

Hälle e Häss agora podem se tocar, se abraçar, dormir juntos, acordar juntos, comer juntos e amarem-se como nunca puderam se amar antes. Häss ganhou uma aparência assombrosa, era alto e largo, lutava com tigres e javalis como se não fosse nada, vestia peles dos animais que matava, além de ter agora um cabelo azulado comprido e desgrenhado na maioria das vezes. Voltava das caçadas e fazia questão de primeiramente tomar um bom banho com sua amada Hälle.

Hälle fortaleceu-se na mata, tanto física quanto espiritualmente. Seu corpo ficou maior e mais fortalecido, sendo mais rápida e sagaz que uma onça. Se especializou em várias armas, além de desenvolver-se em outras áreas, como o desenho, a escultura e as artes mágicas.

No banho no lago, Häss e Hälle relembram de tudo que viveram e agradecem aos deuses pela bênção que era muito maior do que qualquer coisa que poderiam pedir. O casal termina as preces com um beijo.

Schlûss, ou Um Ritual de Sangue

Mallimma estava fervendo em um caldeirão uma substância esverdeada, formada por uma mistura de plantas, infusões e temperos de vários tipos ...